quarta-feira, 20 de novembro de 2013

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Passaram quase três anos desde essa última cirurgia, cinco anos desde que tive a última vez vestígios de cancro no meu organismo, sete anos desde que fiz a minha primeira cirurgia. Estou bem e feliz. Muito feliz. Devo dizer que não sou daquelas pessoas que diz que está curada ou que venceu o cancro, porque sei que o cancro pode sempre voltar a qualquer momento. Mas também sei que pode não voltar a aparecer. Torço por isso diariamente.

O caminho não foi fácil e durante o percurso perdi algumas pessoas para a doença, duas delas muito muito importantes - o meu irmão mais velho e a minha querida amiga Ana Maria, que conheci em circunstâncias especiais e que tinha o mesmo tumor que eu - mas a vida é mesmo assim, nem tudo são alegrias.

Queria dizer ainda que toda a gente deve estar sempre atenta a todos os sinais do seu corpo. Eu apenas tinha um nódulo atrás da orelha. Não tinha dores. Não andava amarela. Não tinha perdido peso. Não me sentia cansada. Não. Sentia-me óptima. Apenas tinha um nódulo atrás da orelha.

Este blogue termina aqui. Obrigada a todos os que leram, comentaram ou enviaram e-mails. Espero sinceramente que o meu testemunho tenha ajudado alguém.

Com carinho,

Mrs Kitty Fane

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Do resultado da anatomia patológica ou de como os milagres existem

Já tinha passado algum tempo da cirurgia e do resultado da anatomia patológica nem sinal. Já tinha tirado os pontos. O médico, que já achava estranho o resultado ainda não ter chegado, dizia-me para me ir preparando para a radioterapia.

Os dias foram passando e uma tarde, ia eu no carro com a Princesinha, o telemóvel toca. Eu peço-lhe para ver no visor quem era e ela diz-me que era o meu médico. Ai. Ai. Ai. Fiquei a tremer que nem uma vara verde. Tive de abrir uma exceção e atender o telemóvel enquanto conduzia. Eu não aguentava esperar nem mais um segundo. Ele disse que já tinha o resultado em mãos, nervos, nervos e... tinha muito boas notícias. Estava tudo limpo. Inacreditavelmente e contrariando a suspeita que a citologia aspirativa tinha levantado, não havia qualquer vestígio de metástases no que se tinha retirado durante a cirurgia. Os milagres afinal existem, pensei eu. É que nem optimista como eu andava esperava um resultado assim tão bom. Fiquei tão tão feliz. Foi uma sensação mágica. Eu e a Princesinha demos as mãos e rimos imenso. Não ia ter de fazer radioterapia, nem qualquer outro tipo de tratamento, apenas teria de continuar a ser vigiada como até aí tinha sido.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A quarta grande cirurgia

No dia 25 de fevereiro de 2011 fiz a minha quarta cirurgia com anestesia geral. O plano era fazer a cirurgia e mediante o resultado da anatomia patológica fazer ou não radioterapia novamente. Sendo que o melhor seria contar já com um novo tratamento de radioterapia. A cirurgia estava marcada para o final do dia, uma sexta-feira, no Hospital dos Lusíadas. E assim foi.

O bom dos hospitais privados, deste pelo menos (sim, que a minha primeira operação foi num privado e era mil vezes pior do que qualquer hospital público), é que uma pessoa entra no quarto e mal percebe que está num hospital. Já para não falar na tranquilidade que é o facto de podermos ter as nossas pessoas no quarto a acompanhar-nos e à nossa espera, sem estarem sujeitos à rigidez dos horários das visitas. Deste modo, eu estava muito calma e muito optimista. Sentia-me muito bem acompanhada pelos meus dois Amores e sentia que ia correr tudo muito bem. Assim pensei e assim aconteceu. Foi tudo muito rápido. Acordei muito bem disposta, não vomitei nem andei lá perto e não tive dores. Dormi muito bem e no sábado ao final da manhã já o médico me estava a dar alta. É certo que tinha mais uma grande cicatriz no pescoço, desta vez num local mais visível do que as outras, mas a verdade é que tinha corrido tudo tão bem e eu sentia-me tão bem que isso era um mal menor.

Faltava o resultado da anatomia patológica.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O resultado do exame chegou e não foi nada agradável

O resultado do exame tardou. Um dia à tarde, estava eu sozinha em casa depois do trabalho e eis que recebo uma chamada do Hospital dos Lusíadas (tinha optado por fazer neste hospital, uma vez que o meu médico já dava aqui consultas e o exame aqui seria bem mais rápido do que no IPO) a informarem-me de que havia suspeitas de metástases do meu tumor naquele gânglio. Eu fiquei em pânico. Não estava preparada para ouvir aquilo. Andava tão optimista que aquilo me caiu que nem uma bomba. Liguei imediatamente ao médico que, felizmente, estava nesse mesmo dia e a essa hora a dar consultas no Hospital dos Lusíadas e eu fui lá ter com ele. Disse-me que teria de ser novamente operada. Mais uma catrefada de exames, de nervos, de medos e mais uma cirurgia. Ainda por cima, já tinha os meus dois Amores na minha vida o que me fazia ainda ter mais medo de tudo, sobretudo de morrer e de os perder depois de uma vida inteira à espera deles. A juntar a tudo isto, tinha o meu irmão mais velho a lutar contra um cancro em fase terminal. Como iria contar isto à minha mãe? Não foram tempos nada fáceis.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Passados dois anos de descanso, uma nova suspeita

Passaram dois anos de descanso em que ia apenas fazer os exames de rotina. Estava sempre tudo bem. No final de 2010, já com os meus dois Amores - a minha linda filha Princesinha e o homem da minha vida, o meu marido - na minha vida, estava num jantar de amigas e de repente, ao tocar numa parte do pescoço, por baixo do lado esquerdo do queixo, senti algo que nunca tinha sentido antes. Uma espécie de gânglio. Não comentei nada com elas, mas fiquei meio que em pânico. Fui à wc do restaurante e frente ao espelho fiz uma espécie de palpação do pescoço. E lá estava ele. Tentei manter-me calma e decidi no dia seguinte ligar ao meu médico. Assim, tive a consulta passados alguns dias e ficou decidido que iria fazer uma ecografia e uma citologia aspirativa para tirarmos todas as dúvidas. Desta forma, em meados de janeiro de 2011 e sem urgências, fui fazer esse exame. Logo que o fiz a médica disse que parecia ser um gânglio inflamatório mas que só o resultado final o poderia confirmar. Aguardei o resultado bastante tranquila.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O fim do tratamento

Durante o tempo que durou o tratamento, o que me dava mais alegria na sala de espera era ver a cara de felicidade das pessoas que terminavam os tratamentos. E eu só pensava no dia em que passaria pelo mesmo. Esse dia chegou. No dia 13 de novembro de 2008, há precisamente cinco anos, terminei o meu tratamento de radioterapia. Foram 39 sessões, durante cerca de dois meses, que me fizeram ir ao IPO de segunda a sexta. Foi um dia feliz. Senti-me leve e cheia de esperança.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

As aftas gigantescas e companhia

Se os primeiros tempos foram mais ou menos fáceis, para o fim (as duas últimas semanas, sobretudo)a coisa complicou-se e não foi só a pele que sofreu. As aftas/feridas apareceram em força. Uma delas era gigantesca e dava dores horríveis. Com ela vieram também coias nada simpáticas como dores de garganta constantes, boca muito seca, saliva viscosa e uma sensação de língua queimada, que fazia com que quase não sentisse o sabor dos alimentos, arrepios e febre. Ainda me andei a arrastar alguns dias e ia trabalhar com muita dificuldade. No final, não aguentei e pus três dias de baixa. Descansei, levei uma injeção milagrosa e o tratamento acabou. Aleluia.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Os efeitos da radioterapia na minha pele

A partir, mais ou menos, da vigésima sessão e até ao fim foi sempre a piorar. A pele começou a ficar saturada de tanta radiação e, apesar da pomada fazer milagres, começou a ficar dorida e de um tom vermelho escuro, quase roxo. E aquelas zonas onde a pomada não assentava tão bem, como a orelha, começaram a ficar em ferida. Portanto, dormir para aquele lado passou a ser impossível. Já para não falar de uma zona muito atrás do pescoço na qual eu desconhecia que ali também incidiam as radiações. Não aplicava ali pomada desde o início e quando dei conta estava em carne viva. E por este exemplo se vê o que aconteceria se não fosse a diária aplicação da pomada. Por acaso, durante os tratamentos, vi pessoas que tinham a pele numa lástima, sobretudo pessoas mais velhas. E isto porque, apesar das indicações do médico, só começaram a aplicar a pomada quando a pele começou a ficar muito muito vermelha. Felizmente, quando a coisa começou a ficar bem pior, o médico receitou-me uma pomada mais forte - a Betnovate - para aplicar juntamente com a outra e as coisas começaram a melhorar. Mas eu já andava a arrastar-me e sentia um desconforto total.

Na escola, quando a pele começou a ficar mais escura, alguns alunos perguntaram-me o que é que eu tinha na pele. Eu respondi que era uma alergia e eles na sua inocência acreditaram e não fizeram mais perguntas.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A queda de uma parte do cabelo

Eu já sabia que qualquer fio de cabelo que sofresse radiações iria cair, mas tive esperanças que nenhum dos meus fosse atingido. Estava enganada. Um dia, estava eu a dar aulas, e senti alguma comichão na zona lateral do pescoço, como se estivessem imensos cabelos ali presos. Conforme puxei o cabelo para tirar aqueles que estavam ali presos, fiquei com uma grande madeixa na mão. Foi simplesmente chocante. - A minha total solidariedade para quem o perde todo com a quimioterapia. Não quero sequer pensar o choque e a dor que deve ser passar por isso. - De repente, entrei em pânico e tive medo de perder o meu cabelo todo. Com calma, comecei a puxar de todos os lados para ver qual era o que estava a cair e reparei que só caíam os de uma zona específica - uma pequena zona lateral entre a parte de trás da orelha e a nuca. E eu nem sonhava que as radiações chegavam àquela zona traseira. Sem aguentar já tanto cabelo a cair (tenho imenso cabelo e é muito comprido), a almofada tinha ficado cheia, no dia seguinte pedi à minha cabeleireira para me cortar a zona que estava a cair com a máquina. Contive-me para não chorar. Felizmente, o resto do cabelo tapava aquela zona e nada se notava.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Os primeiros efeitos da radioterapia

As sessões foram avançando e eu sentia-me bem. Não tinha grandes queixas, a não ser a pele que, a partir da terceira ou quarta semana, tinha começado a ficar avermelhada e ligeiramente dorida, tal e qual como se tivesse apanhado um escaldão. Andava cansada, mas a coisa ia-se levando bem. Tinha ouvido tanta coisa má sobre a radioterapia que eu iria fazer, que nem queria acreditar que o meu corpo estivesse a reagir tão bem. Ainda por cima via pessoas lá que estavam a sofrer imenso com os tratamentos. Sentia-me, por isso, uma sortuda. O pior estava para vir e eu nem sabia.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O problema da maquilhagem

O médico não me tinha dito nada acerca disso e, por isso, quando me apresentei para a primeira sessão de radioterapia ia maquilhada, uma vez que me maquilho diariamente. Nada de grandes exageros, mas aquele básico (base, rímel e blush) que uma mulher gosta de pôr para ficar com um aspecto mais apresentável. No entanto, rapidamente fiquei a saber que deveria evitar pôr produtos que não a Biafine por cima daquela pele que iria ser sacrificada. Assim, passei a pôr do lado que iria receber radiações a Biafine, como já o fazia antes, e do outro que iria ficar livre punha o meu hidratante normal e uma base muito leve, de forma a que não se notasse a diferença de um lado para o outro. E continuei a usar rímel, uma vez que a zona dos olhos não iria levar radiações, mas ao desmaquilhá-los à noite tinha todo o cuidado do mundo de forma a que nada chegasse à tal pele que iria ser sacrificada.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A primeira sessão de radioterapia

Naquela sala de espera havia todo o tipo de pessoas, inclusivé crianças. Todas estavam ali para o mesmo. Ao fim de uns dias já as conhecia quase todas.

Quando fui chamada não sabia muito bem ao que ia. Estava apreensiva, mas a coisa foi mais fácil e rápida do que eu imaginava.

Depois das técnicas me colocarem a máscara e encaixarem uma série de coisas, fiquei sozinha na sala, enquanto a máquina - ao mesmo tempo que fazia um barulhinho irritante - transmitia as radiações. Isto em dois períodos distintos. Ao todo, cada sessão não demorava mais do que quinze minutos.

Para começar, nada de efeitos secundários. Mas uns dias antes de começar as sessões já eu andava feita louca a cumprir escrupulosamente os conselhos que o médico me tinha indicado. Punha pomada - a Biafine - várias vezes ao dia. Fazia bochechos com um produto que davam no IPO. Hidratava os lábios (o médico tinha aconselhado um líquido específico que também davam no hospital, mas não achei que desse grande resultado e, por isso, acabei por usar vaselina que funcionou maravilhosamente bem). Por isso, só podia tudo correr bem.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Pôr baixa ou não pôr baixa, eis a questão!

Uma das dúvidas que me atormentavam era se iria ou não pôr baixa e quando o faria. Felizmente, a cirurgia tinha sido durante o meu período de férias e, por isso, não me agradava por aí além ficar em casa o tempo todo a deprimir. Não gosto disso (a não ser que esteja de férias e de boa saúde, claro) e sei que não há nada melhor do que trabalhar, sobretudo com crianças, para manter a mente ocupada e não pensar em desgraças. Antes da reunião de pais, falei com a coordenadora da minha escola (que entretanto se reformou) que me aconselhou a não comentar absolutamente nada com os pais dos alunos (não que eu quisesse contar o que se estava a passar, mas para os avisar de que possivelmente iria ter de pôr baixa por motivos de saúde) - pois só os iria preocupar escusadamente -  e a trabalhar até me sentir capaz de o fazer. Depois alguém me substituíria, caso houvesse essa necessidade. E assim foi. A primeira sessão seria no dia 22 de setembro de 2008. Seriam 39 sessões ao todo, de segunda a sexta. E eu, durante esse período de tempo, iria de manhã ao IPO e à tarde iria trabalhar. Estava pronta para começar.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Planeamento da radioterapia
















Depois de ter recuperado totalmente daquela ida ao dentista, fui fazer o planeamento das sessões de radioterapia. Foram identificados os locais exatos onde as radiações iriam incidir através de tomografias (para isso estive uma imensidão de tempo deitada com as máquinas a passarem) que posteriormente seriam enviadas para médicos e físicos que iriam fazer o planeamento das sessões.
Como o tumor a atacar era na zona do pescoço, fui ainda fazer o molde da máscara  (do género da da imagem, mas um pouco mais comprida na zona do pescoço) que iria usar durante todas as sessões para melhor proteção das áreas onde as radiações não deveriam chegar.

E eu só pensava, claustrofóbica como sou, como é que iria aguentar todas as sessões com aquela coisa a apertar e a tapar a minha cara?

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Depois da tempestade, a bonança

Para contrariar o sofrimento daquela ida ao dentista, a recuperação foi ótima. No próprio dia custou bastante, é certo. Eu não tive dores nenhumas, mas o desconforto era total. Sobretudo aquela parte do sabor a sangue na boca. Sentia-me uma vampira. E a parte da fome? Só eu sei a fome que passei nesse dia. Comi apenas dois iogurtes e um pratinho de cérelac. Mas depois foi sempre a melhorar. Comecei a comer aos poucos. Tomei a medicação. Punha, de vez em quando, um saquinho de gelo (ou de milho congelado, como foi o meu caso) na cara. E de repente fiquei bem. Ao fim de dois dias já eu estava num concerto da Madonna e ao fim de uma semana já os pontos estavam a cair e eu ia novamente ao IPO para mais uma consulta de preparação para a radioterapia.